quinta-feira, 9 de junho de 2016

O sonhado ponto de parada


Conhecida como Lei do Caminhoneiro, a Lei 13.103/2015, que estabelece regras para o exercício da profissão de motorista, foi sancionada pela presidente Dilma Rousseff em março de 2015, sem vetos, como uma ação do governo para por fim às manifestações dos carreteiros que bloqueavam diversas rodovias. 

O texto aumentou a margem de tolerância na balança, de 7,5% para 10% sobre os limites de peso por eixo e também perdoou multas por excesso de peso expedidas nos dois anos anteriores, além de liberar o pagamento de pedágio por eixo suspenso, com exceção nos Estados de São Paulo e Paraná. Também estabeleceu ainda novos limites na jornada diária de trabalho e previu a ampliação de pontos de parada e de descanso sem custos de estacionamento, entre outras decisões, como a polêmica exigência de exame toxicológico de larga janela.




No papel a lei é imponente. São artigos, parágrafos e expressões jurídicas que mais dificultam do que facilitam a compreensão do leitor comum. Mas não precisa ser advogado para entender que – na prática – não funciona. A realidade das estradas se impõe sem infraestrutura adequada e sob esse aspecto a Lei não tem como ser cumprida. “No Brasil não tem ponto de apoio para o caminhoneiro, só se você abastecer”, afirma Sérgio de Oliveira, carreteiro de 61 anos de idade e 41 de profissão na rota São Paulo-Mercosul. “No Chile, a cada 100 quilômetros tem um ponto de apoio com banheiros limpos”, acrescenta ele.

Sem os tais pontos de parada, o motorista não consegue descansar por 30 minutos após dirigir até cinco horas e meia; nem passar a noite e cumprir o período de até 11 horas contínuas de repouso, conforme prevê a lei. De acordo com a legislação, o tempo de direção pode ser estendido até encontrar um local seguro para estacionar. 

Locais seguros normalmente são os postos de combustível, mas por serem estabelecimentos particulares, muitos condicionam a parada para pernoite com o abastecimento do caminhão, segundo Oliveira. Se não precisar abastecer, o carreteiro é obrigado a continuar na estrada, mesmo cansado e correndo o risco de provocar um acidente motivado pela fadiga. “Ou toca direto ou estaciona nessas barracas de fruta ou mecânica de beira de estrada, mas sem qualquer segurança”, reforça o carreteiro.




É assim que o motorista vai se virando sozinho, ou melhor, na companhia do colega Leandro Bertolino Barbosa, que dirige outro caminhão. Viajando juntos eles se sentem mais seguros. Leandro tem 30 anos de idade e está há apenas seis no trecho. Na rota do Mercosul está há menos de um ano. Antes fazia a Região Norte do Brasil. 

Diz que as maiores dificuldades para encontrar postos que liberam o estacionamento estão nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná, onde o trânsito é mais intenso. “No Mato Grosso, e subindo para Rondônia, a gente ainda encontra postos que não exigem abastecimento”, conta. Lembra que em período de safra de grãos a concorrência por vaga aumenta muito na região Centro-Oeste e, então, é preciso rodar um pouco mais até achar um posto de serviço para estacionar.

Sérgio e Leandro ficam indignados com a falta de pontos de parada e descanso. Uma solução, segundo eles, seria aproveitar os espaços nos pedágios das rodovias para construir pontos de apoio aos motoristas de caminhão. “Como tem espaço para pedágio e não tem ponto de parada?”, questiona Sérgio. “De 80 a 100 vagas já seriam suficientes, porque logo à frente já teria outro pedágio com outro ponto de parada”, completa. O colega de Leandro, ao lado, balança a cabeça sinalizando que concorda com o comentário do amigo.


A solução do governo, se vier, não deverá ser sugerida pelos carreteiros Sérgio e Leandro. A intenção é cadastrar estabelecimentos interessados em ser pontos de parada e descanso, desde que adequados às exigências de infraestrutura estabelecidas em portaria do Ministério do Trabalho. No final de agosto do ano passado, o Ministério dos Transportes divulgou as primeiras duas listas contendo sete pontos de parada e descanso em rodovias federais e mais 19 em rodovias concedidas.

As listas são resultados de levantamento realizado em conjunto com o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) e com a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). No total, foram identificados 26 possíveis locais que podem ser pontos de parada oficiais. Ficou decidido ainda que haveria fiscalização educativa pela Polícia Rodoviária Federal por seis meses nas rodovias onde estão esses locais apresentados nas listas. O prazo venceu em março passado.

Sérgio e Leandro, por exemplo, dizem que nunca foram fiscalizados, mas se forem parados poderão apresentar um documento redigido pela empresa onde são empregados, em que esta alega seguir a Lei. É só fachada. Segundo os carreteiros, na verdade é uma tentativa de se defender de um eventual processo. O tacógrafo vai indicar horas e horas de direção, muito mais do que os limites estabelecidos na legislação.


Aliás, a Lei diz que o motorista é responsável pelo controle e registro do tempo de condução, mas no caso deles, a pressão da empresa é grande. Eles mostram ao repórter da Revista O Carreteiro as diversas mensagens recebidas no celular. “Onde vocês estão?”, “Tem que chegar até tal horário!”, são algumas cobranças por agilidade na entrega, sob a justificativa de que o cliente está esperando. Nesse caso, mesmo se houvesse bons pontos de parada e descanso, a Lei não estaria sendo seguida. A esperança dos carreteiros é que esta história mude com fiscalização eficiente e infraestrutura de apoio.

Um exemplo de boa infraestrutura para recepção dos estradeiros foi apresentado em outubro de 2015 pela ANTT. É um projeto piloto de ponto de parada e descanso para caminhoneiros no km 145 da BR-116, em Santa Catarina. O trecho é administrado pela concessionária Autopista Planalto Sul, empresa do Grupo Arteris, a qual elaborou o projeto executivo junto com a Federação das Empresas de Transporte de Carga e Logística no Estado de Santa Catarina (FETRANCESC) e a Federação das Empresas de Transporte de Cargas do Estado do Paraná (FETRANSPAR).

Segundo a Autopista Planalto Sul, trata-se de uma área de estacionamento e transbordo de carga perigosa que será transformada em ponto de apoio e parada. A área tem 120 mil metros quadrados e contará com 126 vagas para estacionamento de caminhões, cozinha, área de descanso, sala de jogos, sala de treinamento, área para transbordo de cargas perigosas, consultórios médicos e odontológicos, barbearia, espaço masculino e espaço feminino, banheiros e chuveiros e área de amamentação. Haverá, ainda, segurança com guarita e controle na entrada e saída de caminhões.



O projeto executivo deverá ser protocolado para análise e aprovação da ANTT. Após a manifestação da Agência liberando a execução da obra pela Concessionária, serão providenciados os processos ambientais e de desapropriação. O prazo de execução da obra é estimado em um ano, a partir da liberação de todas as pendências que, segundo as previsões da Autopista Planalto Sul, devem ocorrer na metade de 2016. Portanto, a inauguração poderá ser em meados de 2017, se não houver atrasos. Se der certo, este projeto pode servir de modelo para a construção de pontos de parada em outras rodovias do Brasil administradas pela iniciativa privada.

O motorista de caminhão poderá parar de graça, mas alguém terá de pagar pela construção deste ponto de parada, que está orçado em R$ 20 milhões. Ainda não se sabe como, mas pode ser por meio de reajuste de pedágio ou na extensão do prazo de concessão. Sobre este ponto, a ANTT mandou uma resposta técnica para a reportagem: “Ainda não foi definida a forma de revisão das concessões de exploração das rodovias em vigor, de modo a adequá-las à previsão de construção de pontos de parada de espera e descanso, respeitado o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos”. Já os novos leilões de concessões terão de ter a construção dos pontos de parada no edital.

A Lei existe e está valendo, mas para ser efetiva precisa de estrutura nas rodovias, fiscalização pela PRF e Ministério do Trabalho e consciência por parte de embarcadores, empresas e motoristas.


por Evilazio de Oliveira
Fotos: divulgação

Fonte: O Carreteiro

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